sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Ditador, por Carlos Antunes


Título original: The Dictator
Realização: Larry Charles

Ao fim do trio de filmes comandados por Larry Charles e protagonizados por Sacha Baron Cohen é possível concluir sobre o que faz resultar o humor.
O Ditador é um filme todo ele escrito, sátira política com uma narrativa. Borat tinha a liberdade de correr livremente atrás de uma ideia que era o motivo mas, sobretudo, a inspiração. Brüno foi a ligação entre os dois formatos e já nele o humor falhava.
O que falha é, precisamente, a ausência do espaço não escrito do filme. A reacção honesta e despreparada era a verdadeira punchline mais do que os exageros a que Sacha Baron Cohen leva as suas encarnações; embora seja uma ausência obrigatória depois do modelo ter esgotado a sua frescura (quantas vezes se pode mostrar a mesma reacção antes que esta esgote a sua graça?) e a sua eficácia (quantas vezes se pode dar a cara antes que esta deixe de surpreender as pessoas?).
Demonstra-o a única cena merecedora de riso deste filme, a profanação de uma cabeça que é usada num "apanhado" entre Aladeen e o seu antigo cientista do programa nuclear, em que a reacção do alvo desperta o riso.
Por ser escrita e, como tal, ser única, recorda o melhor da primeira técnica humorística de Sacha Baron. Mas recorda a impossibilidade de repetir as façanhas da "viagem inaugural".
No resto o filme prova que fazer sátira política com relevância, eficácia e gosto é quase impossível para uma maioria de criadores.
Há uma cena que o resume pela total implausibilidade dentro do filme, onde os dois personagens acima referidos embarcam numa viagem turística de helicóptero para fazerem o reconhecimento aéreo que servirá os seus planos. Depois de um aviso a Aladeen para que se pareça o mais possível com um turista pró-americano, os dois personagens começam a dialogar entre si, na sua língua original, sobre... Osama Bin Laden! O que levará ao desespero os seus americanos companheiros de viagem.
Prova de que o filme vai atrás de qualquer possibilidade de riso fácil, sem considerações pela sua integridade. Isso passaria em claro se o humor fosse bom, pois o efeito substituir-se-ia ao caminho percorrido.
Não há nesta recusa do humor d'O Ditador qualquer tipo de repulsa. Os exageros da parede efemérica das pessoas a quem Aladeen passou hepatite não estão para lá do meu sentido de ironia sobre o "vale tudo" no sustento do "estilo de vida dos ricos e famosos" mas é uma piada redundante perante a do gosto do diplomata chinês por jogos de poder de cariz sexual com estrelas de Hollywood e se o recurso explícito a uma doença sexualmente trasmissivel. Tal como os pêlos do sovaco da feminista de serviço apenas proporcionam gastas piadas em torno de preconceitos apagados - que, com a escolha de Anna Faris para o papel, coloca O Ditador no campeonato do rasteiro com Scary Movie onde uma piada similar mas anatomicamente deslocada já figurava.
Tudo isto reflecte a questão do propósito do filme que parece ter sido o de "pisar os calos" aos norte americanos. Ouve-se o discurso final e é inevitável sentir que ele seria o monólogo de abertura de Jon Stewart ou Stephen Colbert: não passa de constatar - com ironismo mas sem subtileza - os actos das administrações políticas que se equiparam negativamente às que se imputam a alguns ditadores.
Compara-se ao discurso do barbeiro no lugar de Hynkel e impressiona que se tenha perdido a coragem de ser sentimental, com todos os riscos cinematográficos inerentes, e se tenha perdido como propósito tocar o ser humano para se captar um público alvo. O "Grande" que se perdeu de um título para o outro diz tudo sobre a grande perda que o género sofreu.
Querendo ver Cinema a opção terá de passar longe desta encarnação de Sacha Baron Cohen,  como querendo ver algum bom humor através dela terá de se preferir as aparições que ele fez em talk shows e passadeiras vermelhas: aí, ainda com a mesma irreverência e com um efeito de surpresa que é independente do actor por detrás da personagem.



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