quarta-feira, 4 de julho de 2012

Estrada de Palha, por Tiago Ramos



Título original: Estrada de Palha (2012)
Realização: Rodrigo Areias
Argumento: Rodrigo Areias
Elenco: Vítor Correia, Inês Mariana Moitas, Nuno Melo e Ângelo Torres

Há um momento do filme em que um taberneiro diz ao protagonista, um pastor que anda a cavalo: «Então estiveste uns anos fora e voltaste para esta terrinha? Põe-te fino que isto está muito diferente!». Curioso que o espectador que vive e reconhece o Portugal actual não deixará de sentir uma leve sensação de déjà vu com os dias em que vive e de facto existe um grande teor político e intemporal em Estrada de Palha, apesar da acção se passar no início do século XX, logo após o Regícidio. Não é também por isso menos propositada a inspiração que o realizador Rodrigo Areias usa para ilustrar parte da narrativa, Desobediência Civil, de Henry David Thoreau, que permanece ainda hoje actual. E na realidade o que temos em Estrada de Palha? Acima de tudo, uma vontade de fazer cinema e de recuperar a glória (perdida?) dos westerns, utilizando e abusando das referências ao género, com todos os lugares-comuns a que tem direito (desde duelos à pistola ou um xerife mau da fita). Contudo e apesar de seguir esses clichés, o que temos em mãos é um exercício do género, onde não havendo tanto uma desconstrução do mesmo, há certamente um colapso das suas expectativas, criando-se assim um filme num ritmo complacente, muito atento ao seu próprio silêncio e assente nos espaços e paisagens. A referência ao tempo e espaço é diminuta, mas vive também de alguns anacronismos que propositados ou não, contribuem para atribuir a este trabalho algum experimentalismo e desejo de expressar um ponto de vista, talvez contrariar o espectador.

Esteticamente o filme brilha pela direcção de fotografia, assim como pela banda sonora criada pelos portugueses The Legendary Tigerman e Rita Redshoes (na versão cine-concerto, musicada ao vivo, bem mais intensa que a original) e sobretudo pela capacidade de contar a história de uma forma quase puramente visual, com uma imagética e simbolismos muito fortes. Perde contudo nesse formalismo e rigidez que por vezes também não deixa o argumento respirar entre personagens estereotipadas e planas (mesmo apesar dos excelentes desempenhos de Vítor Correia, Nuno Melo e Ângelo Torres) e diálogos rasos. É um filme que nunca deixa de ser um exercício de género, ao contrário da referência quase imediata que temos: João Canijo e o seu Alentejo Sem Lei. Não é isso que - e felizmente! - faz o filme perder o seu mérito. Temos em mãos mais uma prova que o cinema português pode viver também além dos dramas sociais e sobretudo, reforça a ideia que há ainda quem queira fazer cinema em Portugal fora dos condicionalismos económicos.


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