domingo, 4 de novembro de 2012

Seems So Long Ago, Nancy; por Carlos Antunes


Título original: Seems So Long Ago, Nancy
Realização: Tatiana Macedo
Argumento: Tatiana Macedo

Tatiana Macedo disse que estávamos perante o fenómeno importante de estarmos perante um filme que olha para pessoas a olhar para pessoas.
Mas isso é um fenómeno que só ocorre para ela, que teve a oportunidade de entrevistar cada um dos vigilantes que depois observa com a sua câmara. Para o público não são mais do que figuras a observar figurantes.
Tatiana Macedo afirma que teve de aprender a seguir a respiração e os movimentos desses vigilantes, o que por outras palavras significa conhecê-los a fundo. Daí que as entrevistas que conduziu a tenham beneficiado a ela para realizar os seus objectivos e façam imensa falta ao público para apreenderem o significado final do filme.
Essa discrepância entre o que a realizadora quer transmitir e o que o público consegue saber é resumido pelo título do filme que só se torna inteligível quando a acompanhar os créditos finais a voz de um dos vigilantes cita a canção de Leonard Cohen num extracto a que falta contexto e, por isso, é apenas uma inspiração quase abstracta para a autora.
A curiosidade que a inspira para o projecto - que evoluiu da fotografia para o cinema - poderá ter respondido à sua vontade mas ficou a meio caminho entre o entendimento pessoal das pessoas que aceitam estar entre grandes obras de arte e olhar para tudo menos para elas e entre a reflexão sobre o próprio fenómeno de observação que é o cinema documental.
Se a falha da primeira hipótese ficou tudo dito a propósito da falta das noções individuais que viriam das entrevistas e que a realizadora não achou importante incluir no projecto, também para a segunda é inevitável considerar que a culpa pertence à mesma visão determinística com que o projecto foi abordado e que não deixa espaço a uma descoberta do inesperado.
Há conjuntos de cenas entre as incluídas - num caso em que uma inclusão mais longa de material poderia ser importante para um ensaio imagético, mesmo se casual - em que a influência do observador se torna patente e em que se estabelecem paralelos entre a documentarista a observar os vigilantes e, depois, os vigilantes a observar os visitantes.
Apesar da tentativa da realizadora de se tornar numa segunda pele dos voluntários da Tate, há quem não consiga evitar, por entre os gestos naturais, deitar um olhar periférico à câmara.
Tal como um visitante que observa um quadro rapidamente deixa a sua posição quando a presença (silenciosa) de um vigilante se torna presente nas suas costas. Ele ainda tentar voltar à observação da obra, mas não consegue evitar tornar-se consciente de que os seus gestos são, agora, observados.
Por mais naturais que sejam os comportamentos desse visitante perante o vigilante ou do vigilante perante a câmara, a consciência pessoal desses gestos deixa-os perante um julgamento próprio da aprovação alheia.
Alheia que poderá chegar até ao ponto do público final, que é causa de um embaraço  antecipado.
Poderá haver, nesse caso, um documentário no qual a verdade não esteja sempre sujeita à incerteza da influência do observador? Talvez seja essa a questão primeira para todos os documentários (pelo menos no festival), que são sempre obras e não meramente relatos.
Uma questão a que a realizadora não pensou responder e para a qual, em sentido inverso, se encontram dados muito interessantes em San zimei.


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