sábado, 1 de março de 2014

O Sobrevivente, por Carlos Antunes


Título original: Lone Survivor
Realização: 
Argumento: 
Elenco:  e 

O início de Lone Survivor é laudatório para com a irmandade constituída pelos Marines americanos, até mesmo para com os treinos violentos que constituem os seus "ritos" de entrada.
Sabendo a necessidade económica que constitui o apoio logístico das Forças Armadas americanas a qualquer "filme de guerra", e de como esse apoio depende da concordância com a visão dada das suas instituições, logo se instalou um receito para aquilo a que a história verídica daria lugar: um heroísmo exaltado até à falsidade aparente.
Na forma o filme vai de encontro a esse preconceito o que torna surpreendente compreender que nas entrelinhas os elogios dão lugar a uma crítica discreta mas forte e pertinente a como o exército americano se comportou no conflito do Afeganistão.
Essa constatação - e só essa constatação - eleva um pouco o filme de um patamar de competência mínima a que Peter Berg o leva, com uma ajuda (muito) significativa de um elenco que tem mais qualidade do que a do material à sua confiança.
Após o tal elogio da resiliência dos soldados americanos, o filme é uma prolongada cena de acção que leva o espectador da história da missão de reconhecimento de um grupo inicial à do resgate do sobrevivente do título.
Esse título que torna absurda a cena em que a personagem de Mark Wahlberg está entre a vida e a morte, cujo único motivo é criar um dramatismo de longa duração para aquilo que não é mais do que uma questão de armas e resistência.
Tanto assim é que quando os quatro soldados se vêem em território inimigo, cercados e num tiroteio, está-se muito perto do que pode passar por Western na Era actual, sugestão que reforça a visão duradoura - e aparentemente verdadeira - de que os norte-americanos se comportam como cowboys.
Não só porque priveligiam as armas sobre a razão mas porque vêem o mundo nas divisões simplistas de bom ou mau e vivo ou morto.
Só isso explica a limitação de opções que proporcionam a si próprios no momento de lidarem com os reféns que capturaram.
Logo aqui fica a primeira crítica do filme, no confronto desse momento de necessidade de recorrer ao intelecto contra toda a exaltação física da montagem inicial: os Marines não são preparados para avaliar um cenário e decidir.
A partir desse instante em que a relidade se afasta do planeado, a crítica corre contínua. Ao facto dos norte-americanos entrarem em guerra sem entenderem a Língua local, sem conhecerem o terreno que pisam e sem compreenderem os costumes e as alianças dentro do país.
Na surpresa de um dos Marines - Como é que eles são tão rápidos? Como é que eles são mais rápidos do que nós? - está a evidência da táctica arrogante americana, de pensar que a guerra se vence porque se tem mais (e melhores?) meios.
O erro de desprezar a inteligência, o conhecimento e, acima deles, a vontade dos inimigos foi aquele que já custara aos EUA uma derrota no Vietname e o qual parecem repetir até hoje.
Se creio poder atribuir este rol de crítica às intenções do argumento e não a um pensamento crítico demasiado esperançoso, é por haver um diálogo entre um soldado e um comandante que refilam mutuamente com a escassez de helicópteros para o número de operações a decorrer.
Uma crítica directa e sem filtros à política de um país que, mesmo querendo vencer pela imposição de meios, tenta cortar custos.
Tornam obrigatório que os espectadores confrontem as questões morais que se tornam ensurdecedoras no último acto quando os verdadeiros heróis entram em cena: os próprios afegãos, com os seus valores de hospitalidade que colocam acima da segurança e uma incompreendida raiva contra os talibãs.
Com isto, um filme de acção que passaria sem merecer atenção, levanta - na sequência dos últimos filmes de Kathryn Bigelow - questões sobre que papel ainda tem o Exército Americano perante os filmes que o retratam, em particular, se já é capaz de lhes ceder alguma autonomia e aceitar as respectivas críticas.


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