sábado, 13 de dezembro de 2014

Exodus: Deuses e Reis, por Carlos Antunes



Título original: Exodus: Gods and Kings
Realização: 

O material bíblico só pode continuar a servir ao cinema numa das suas duas vertentes mais radicais.
Como matéria de confronto da humanidade dos seus personagens  com a sua própria ilusão do divino. Ou como matéria de fantasia digna de um espectáculo sem limites.
Ridley Scott conta-se entre os realizadores indicados para ousar recuperar a opulência visual dos épicos bíblicos que até hoje não tiveram substitutos na memória cinéfila.
Assim o tenta recorrendo às melhores possibilidades que as imagens geradas por computador permitem, na expectativa de causar o mesmo espanto do cinema de há décadas.
As dúvidas sobre se tal assombro ainda é possível não ficarão dissipadas com Exodus: Gods and Kings.
É-nos permitido ver toda a técnica usada na concepção das cenas sem nos ser permitido apreciá-las pelo efeito gerado.
Cada uma de entre as cenas das sete pragas deixa-nos ver o quão perto estamos de alcançar um realismo que não enjeita o extraordinário.
Assemelham-se a amostras, pedaços de cenas que o realizador se escusou a levar mais longe, como se o espectáculo fosse uma obrigação a superar com rapidez.
A cena pela qual se vai ver o filme, da partição das águas do Mar Vermlho, é talvez a mais exemplar do indevido suporte dado ao trabalho visual.
O Mar Vermelho é, primeiro, uma muralha de água lá ao fundo - nunca o 3D nos colocou tão distantes do próprio filme! - para depois ser já uma onda que se desfaz deixando Moisés e Ramsés deitados na areia. Nunca tal cena foi tão anti-climática!
Em parte é pela personagem de Christian Bale que o filme se mostra tão telegráfico nas cenas que o deveriam marcar.
A composição de uma figura bélica e política ao serviço de um comandante que, por acaso é Deus, traz consigo algumas boas ideias da relação sofrida que Moisés teve a longo da sua missão, em colaboração e oposição simultâneas a Deus e à sua estratégia.
Boas ideias que não chegam a encorpar essa parte do filme, sujeita ainda a uma divisão do seu protagonismo com uma composição de Moisés à laia da reavaliação psiquiátrica dos textos: um homem guiado por alucinações de grandeza aceite pelos restantes devido à sua falta de esperança.
A verdadeira partição vista no filme é entre uma tentativa moderna de tratar o texto bíblico e a necessidade clássica de o ilustrar na sua grandeza.
A divisão reforça a noção de argumento desorientado, que desaproveita o impulso que algumas das suas cenas estão a ganhar para ir de encontro ao outro bloco de intenções incluído no resultado final.
O filme é mais do que desengonçado, é mesmo soporífero. Efeito que, aliás, parece ter tido sobre os próprios actores.
Verdade seja dita que a maioria deles está no elenco apenas para fazer figura de corpo presente; os melhores a receberem mesmo funções que, felizmente para eles e infelizmente para nós, conseguem fazer a dormir.
Até mesmo Joel Edgerton está por lá a fazer a figura de boneco de acção "bronco" mas cheio de poder.
E Bale limita-se a cerrar a face numa constante compunção que deve ser suficiente para expôr o (melo)drama deste Moisés para os tempos modernos.
Suficiente é, não pelo efeito que causa mas pelo que é o verdadeiro papel de Moisés. Ou melhor, pelo que não é.
Nem instrumento de Deus nem seu opositor - uma espécie de "grilo falante" de Deus para o qual uma cena ainda prepara o terreno.
A irrelevância no grande plano deste Êxodo é o que sobrou para Moisés, que deveria ser uma das personagens mais imponentes saidas do Antigo Testamento.
Apesar do avanço tecnológico ficamos cada vez mais longe de esquecer o encanto dos tempos em que um Charlton Heston era Moisés.




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