domingo, 30 de setembro de 2012

Para Roma com Amor, por Tiago Ramos


Título original: To Rome with Love (2012)
Realização: Woody Allen
Argumento: Woody Allen

A cena de abertura de Para Roma com Amor evoca imediatamente Mighty Aphrodite (1995) e os seus peculiares separadores, entoados por um coro da Grécia antiga. Não passa de uma leve evocação, mas as histórias  introduzidas por aquele polícia sinaleiro dá o mote para o tom descontraído que o filme adopta, num estilo ligeiramente aproximado das novelas do Decameron de Bocaccio. O filme é no fundo uma antologia de várias histórias que em nenhum momento se conectam, mas que se encontram conectadas por um tema: um deles, o contexto espacial da cidade de Roma (não caiamos em críticas desnecessárias: é obviamente feita pela visão de um estrangeiro e, logo, repleto de lugares comuns da cidade), o outro, bem mais complexo, o culto da celebridade e das aparências. Aparentemente muito mais inconsequente e ligeiro que os seus trabalhos anteriores, a crítica que Woody Allen faz neste trabalho é, apesar de por vezes formatada e quase moralista, muito maior. Ao construir a comédia com base nestas pequenas histórias, cria também uma crítica enorme à sociedade sempre com as habituais temática do cineasta alienado, artista, intelectual desajeitado, hipocondríaco. O que não deixa de ser curiosamente, num filme onde o cineasta se retrata também como actor: vermos múltiplos Woody Allen nas personagens de cada vinheta é estranho (algo mais habitual nos filmes onde não actua), mas não deixa de ser também um processo curioso de um autor que se desconstrói e se refugia na ficção que escreve (temática que curiosamente tinha abordado com mestria em Deconstructing Harry).

O que temos então em Para Roma com Amor? Uma série de gags, uns mais bem conseguidos que outros, com uma ligeireza pouco habitual no cinema de Woody Allen, mas curiosamente bem simpáticos de assistir e pouco cansativos. Um tipo de humor que parece ligeiro demais ambientado num cartão-postal cliché, repleto de um humor non sense e surrealista que é simultaneamente delicioso, mas também severamente crítico da sociedade contemporânea. Essa crítica pode ser mais visível no retrato de um Roberto Benigni - actor ícone italiano, da perspectiva de um estrangeiro - com o seu humor mais físico, mas com uma história tão interessante e oportuna, especialmente quando olhamos para as revistas ou para os especiais televisivos de "última hora". Mas é também notável naquele que é provavelmente a melhor das vinhetas, protagonizada pelo próprio Woody Allen e Judy Davis e um cantor lírico que só é bom no chuveiro (afinal todos cantamos bem no chuveiro) e que é a síntese de todo o filme. Ou aquele em que Alec Baldwin é um grilo falante, uma espécie de consciência física, numa história em que Ellen Page parece a síntese do pseudo-intelectual, mas que simultaneamente parece partir em defesa da mensagem do cineasta. E embora recicle morais cliché, com personagens unidimensionais e estereotipadas (admitimos), é também um filme consciente do seu carácter cartoonesco e da sua entoação moralista e de quase fábula. Mas é também um cineasta despreocupado da apreciação externa, mas que continua crítico como sempre foi e que se faz valer da própria história para se retratar, como por exemplo naquela excelente troca de diálogos entre duas personagens (interpretadas por Jesse Eisenberg e Alec Baldwin): «- Com a idade chega a sabedoria. - Com a idade chega a exaustão».


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2 comentários:

  1. Dei-lhe a mesma pontuação, mas era difícil manter o nível do Meia-noite em Paris...

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    1. Embora tenha gostado muito do Midnight in Paris, mesmo assim continuo a não achar que seja um filme tão genial quanto dizem...

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