sexta-feira, 27 de abril de 2018

The Image You Missed, por Carlos Antunes



Título original: The Image You Missed
Realização: Donal Foreman
Argumento: -
Elenco: Arthur MacCaig


Lê-se na abertura que este é "a film between" pai e filho, ambos cineastas. Donal Foreman e Arthur MacCaig.
Há imagens de ambos, com Foreman a partir dos arquivos do pai para estabelecer a sua demanda própria, pelos seus filmes passados e pela sua visão dos lugares onde o pai criou o seu cinema.
O propósito a que se predispôs foi o de conhecer um homem sempre ausente da sua vida a partir dum espólio que lhe ficou acessível ainda sem chave de leitura.
O ponto de partida chega a ser tão básico como a procura de registos da face do pai nos seus filmes. O ponto de chegada será distinto por completo.
A procura de um entendimento torna-se num confronto. Em vez de um filho a conhecer um pai, os materiais de cada cineasta ficam em contraponto.
O próprio material disponível encaminha o realizador nessa direcção, pois se há muitas e fortíssimas imagens de MacCaig, a dimensão pessoal do seu legado parece desapaixonada.
Foreman descobriu muito cedo na vida que havia pouco interesse do pai em assumir a tarefa de cuidar dele.
Redescobre-o por via das cartas que a mãe guardu em que aquele se esforça por usar uma linguagem inócua em que pareça haver um interesse manifesto pelo filho mas, sobretudo, lhe permita ir justificando o afastamento continuado.
Essas cartas desapaixonadas batem com as imagens engajadas dos documentários de MacCaig e, sobretudo, com as extraordinárias fotografias que ele tirava.
A partir desse ponto, mesmo que seja por acaso, todos os outros pontos de comparação entre estes dois homens encaminham o filmes mais fortemente para o confronto.
Seja na dimensão pessoal: MacCaig emigrou dos Estados Unidos para a Irlanda; Foreman fez o percurso inverso.
Seja na dimensão profissional: MacCaig empenhou os seus documentário na sua crença política; Foreman luta com a dúvida sobre como se pode fazer um documentário se não se pode captar todos os pontos de vista.
Isto acaba por se transmitir na própria forma do filme. As imagens de MacCaig fortíssimas e estilizadas são as que nos deixam lembrança do que estamos a ver.
Foreman é mais convencional na abordagem que tem, sem rasgos. O que não apaga o facto da sua montagem ser prevalente para a expressão das ideias com que ele questiona o material alheio.
A grande dúvida que fica é quanto MacCaig investiu de si mesmo nos filmes, visto que não parece ter-se alguma vez colocado em risco ou em causa.
Sendo verdade que MacCaig filmou a Irlanda porque viu a história que as notícias não contavam, não chegou a colocar em causa a sua própria narrativa heróica sobre o IRA.
E por mais do que uma vez as suas cartas falam de projectos falhados por falta de dinheiro. Projectos para os quais ele nunca abandonou o conforto do lar para filmar sem condições.
Foreman coloca-se mais em causa, fazendo mesmo perguntas que ele próprio terá de considerar incómodas.
A mais pungente é a de se terá sido a procura de uma aprovação do pai que o levou a filmar, visto que iniciou esse desígnio aos onze anos, logo após saber que o pai não se queria envolver na sua educação.
Esse é, aliás, o último ponto de confronto entre ambos, o fim da carreira de um e o início da carreira de outro. A partir de 1997 MacCaig não voltaria a filmar e Foreman começaria a experimentar.
Foreman justapõe as imagens engajadas da violência do IRA com as das suas sangrentas aventuras (infantis) escapistas.
O momento maior do filme, exposto a nível pessoal enquanto aborda o fascínio pela violência estilizadas, carregando ou não de carga política.
Só que se a pergunta é feita sobre se o percurso do filho se deve à ausência do pai, não é explorada de forma profunda.
No filme, prevalece o cineasta sobre o filho. Essa é a força da elaboração do diálogo entre artistas e a fraqueza emocional face ao que poderia ter sido alcançado.
O que terá sido, para Foreman, um processo demorado de aceitação da relevância artística de alguém que lhe falhou como ser humano acontece à margem do público.
O realizador falhou em mostrar como se confrontou com esse dilema. A forma como abordou a situação mostra que foi capaz de passar adiante o seu drama pessoal sem que haja a certeza de o ter superado.
Afinal estamos a ver o seu recurso a uma racionalização cinematográfica que poderá ter encoberto parte das questões em aberto.
Como cineasta ele coloca-se à altura do pai, num patamar onde admiração não vem sem crítica, mas como o homem a confrontar o seu próprio passado ele permanece um pouco reservado demais.




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