terça-feira, 1 de maio de 2018

An Elephant Sitting Still, por Carlos Antunes



Título original: Da xiang xi di er zuo
Realização: Hu Bo
Argumento: -
Elenco: Yu ZhangYuchang PengUvin Wang


Quatro horas é duração de épico (e é já a segunda vez que as obras que chegam ao IndieLisboa da China me obrigam a começar um texto desta forma).
Épico é o que An Elephant Sitting Still é, mesmo avançando por uma intimidade permanente com os seus personagens.
Quatro personagens que vão percorrendo a espiral da vida de uma cidade no Norte da China num movimento que os encaminha para o confronto e que se prepara para os prender em conjunto.
A cidade, que se conhece espreitando por cima do ombro dos personagens, é um cenário industrial que perdeu a pouca atracção que alguma vez terá tido.
Não se trata de uma redoma, é uma ruína encerrando-se sobre si mesma, onde até o liceu está prestes a fechar.
Um cenário que se infiltra na imagem só o suficiente para conectar as histórias. Permanece um pouco fora de foco e com uma presença parcial que se cola aos personagens.
Percebemo-la árida e de uma pequenez aflitiva. O sentimento de desistência a passar-se, irremediável, aos personagens.
A cidade como retrato da China contemporânea a meio caminho entre o antigo e o novo modelo económico. Uma China a deixar muitos para trás.
Esse é um retrato complementar, importante no seu somatório para situar as particularidades da história, só que com a suficiente fragmentação visual para transmitir universalidade.
O tempo é para os personagens, quase sempre filmados em planos apertados e durante longos travellings.
Tempo que eles gastam em deambulação. Só parte dela é em jeito de fuga à violência que se vai acumulando ao longo daquele dia único que o filme está a acompanhar.
O restante da deambulação parece ser uma necessidade subconsciente de procurar um ponto aonde chegar mesmo que todos os personagens saibam bem que naquela cidade não há alternativa de acolhimento.
Daí que todos os personagens se comecem a render a uma história que eles vão empolando até à mitificação, único abrigo que têm.
Mesmo esse mito para o qual correm é um caso do fantástico criado pelo abatimento. Um elefante que no Jardim Zoológico se limita a permanecer sentado.
Recusando reconhecer a presença dos que o visitam e deixando a vida deslizar para o desaparecimento.
Os personagens talvez procurem na natureza dos outros animais uma confirmação de que as suas existências não são absurdas.
Afinal eles são todos pessoas desencantadas, cumprindo - em total relutância - com um conjunto de obrigações. Sociais apenas no sentido em que são devidas a outros.
Defesas de honra alheia que descambam em violência. Vinganças mortais a pedido da família. Relações amorosas para provocação da raiva maternal.
Os personagens auxiliam a cidade na condenação à clausura da desolação emocional. Daí o seu escape em direcção a um lugar que, quando o filme termina, parece ser impossível de alcançar.
Nenhum deles pode escapar à percepção de que o mundo é todo ele como a cidade de onde partiram. Ou à rota de colisão em que as escolhas de cada um os colocou.
Resta encontrar um local e tirar proveito da mais simples e inútil das tarefas. Um pequeno jogo que permita afastar a consciência de que a vida é desgraça em permanência.
O filme não é um caso de extensão do abatimento. O tempo que é dado passar com os personagens permite conhecê-los de forma a ganhar-lhes ternura.
A construção da intimidade entre personagens e público traz a capacidade para compreender e, até, a permissão para julgar os seus passos.
O tempo que lhes é oferecido pelo filme torna-os reais, não materializações de ideias ou tracejados de uma narrativa a encaminhar-se para o desenlace.
Há investimento neles, um compromisso, que permite a estranheza de algumas emoções fora de tom perante a fuga que é desistência que é tristeza acumulada.
Só se hesita perante An Elephant Sitting Still nalguns momentos em que a montagem parece repetir-se, não economizando os pontos de vista de uma mesma situação como faz a maior parte do empo.
São momentos em que há um jogo de antecipação do inevitável destino, em que Hu Bo parece ter desafiado as suas regras de percursos delineados com precisão.
Não macula o filme, um trabalho de construção meticulosa e ponderada da primeira imagem até ao último som.
Num épico é possível encontrar uma pequena hesitação na estrutura grandiosa. Uma imperfeição para sublinhar a grandeza do que se viu.
Ou algo em que ficar a pensar em vez de tentar perceber como esta obra única de Hu Bo reflectiama sua própria visão do mundo.




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